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José
Borghetti consultor Nacional da Organização
das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FAO, e Carlos Renato Garcez do Nascimento, consultor
em Direito Ambiental Internacional SIOI/ROMA
Itália, concederam entrevista exclusiva à reportagem
para a jornalista Ana Maria Ferrarini e trataram de um assunto
inquietante e preocupante: a escassez da água no Planeta.
Desperdício é a principal ameaça
ao abastecimento
Diário Popular - O Brasil é um grande reservatório
de água do mundo?
Borghetti e Garcez - Sem dúvida. O Brasil é
o país mais rico em água doce do mundo, possuindo
a rede hidrográfica mais extensa do planeta, com 55.457
km2 de rios, equivalentes a 1,66% da superfície da
Terra, com uma vazão média anual em território
brasileiro da ordem de 160.000 m3/s. É detentor de
6,22 trilhões de m3, seguido pela Rússia com
4,06 trilhões de m3. Um conjunto de fatores físicos
e biológicos possibilita a grande riqueza hídrica
nacional. As precipitações são abundantes,
e 90% de seus valores situam-se entre 1.000 e 3.000 mm/ano.
A precipitação média no território
brasileiro é da ordem de 1.783 mm/ano. Essas chuvas,
associadas à considerável geodiversidade do
território nacional, são fatores determinantes
da existência do imenso volume hídrico utilizável.
O potencial hídrico superficial brasileiro representa
12% de toda a água doce do planeta e 53% do total da
América do Sul, com aproximadamente 8.233 km3/ano,
considerando-se toda a vazão da Bacia Amazônica
(território nacional e estrangeiro), e de 5.418 km3/ano,
quando considerada apenas a contribuição do
território brasileiro.
A distribuição das águas superficiais
varia muito de acordo com as diferentes regiões do
país. Aproximadamente, 69,2% da água disponível
para o uso no Brasil, estão concentrados na região
Norte, onde se situa a Amazônia, o lugar mais rico em
água potável superficial de todo o planeta e,
também, onde ocorre a menor densidade demográfica
do país (3,35 hab./km2), com apenas 7,6% da população
brasileira.
Diário Popular - Cada brasileiro possui quantos
milhões de litros de água ao ano à sua
disposição?
Borghetti e Garcez - O Brasil, segundo dados da UNESCO,
aparece com uma oferta per capita de água ao ano de
48.314 m3. Dentro desse cenário, o país com
maior oferta de água por habitante é a Guiana
Francesa, com 812.121 m3, enquanto que no último lugar
aparece o Kuwait com apenas 10 m3 anual por habitante. O consumo
de água estimado para os próximos 25 anos indica
que haverá um crescimento de captação
de água correspondente a 4.360 km3 em 2010 e 5.187
km3 em 2025. Estimativas consideram que, em 2025, aproximadamente
2,8 bilhões da população mundial projetada
poderá estar vivendo sob condições de
disponibilidade hídrica social catastroficamente baixa
(<1.000m3/hab./ano).
Diário Popular - É verdade de o consumo
de água potável dobrou nos últimos anos
e a disponibilidade de água ficou menor?
Borghetti e Garcez - Nos últimos 40 anos, a humanidade
desenvolveu novas técnicas de irrigação
agrícola e aprimorou os processos de industrialização.
O número de habitantes do planeta cresceu, atingindo
hoje os 6.6 bilhões. Diante de tudo isso, o consumo
mundial de água quadruplicou nesse período,
sendo que 73% da água doce consumida no mundo é
destinada para a agricultura, 21% para a indústria
e o restante, 6%, para o uso doméstico. Em contrapartida,
o Informe Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos
Hídricos, divulgado pela ONU, a água potável
do mundo diminuirá continuamente.
A OMS (Organização Mundial da Saúde)
recomenda a média de 80 litros de água por dia
para sustentar razoavelmente a qualidade de vida de uma pessoa.
O consumo de água varia muito de região para
região, e depende da disponibilidade de acesso e aspectos
culturais, entre outros, revelando muito sobre as diferenças
de riqueza. Por exemplo, na Europa, calcula-se que uma pessoa
consuma em média 150 L/hab./dia, nos Estados Unidos,
250 L/hab./dia, sendo que em Nova York pode chegar a 2.000
L/hab./dia e nos países da África e na Índia,
apenas 15 L/hab./dia e 25 L/hab./dia, respectivamente.
Diário Popular - Os Srs. têm estatísticas
sobre desperdício de água?
Borghetti e Garcez - Sim. Temos conhecimento de que no
total, as capitais brasileiras desperdiçam diariamente
6,14 bilhões de litros de água, o que corresponde
a 45% do total captado nos mananciais.
Na agricultura o desperdício chega a 50%, em razão
da cultura agrícola brasileira, na qual os produtores
rurais se utilizam da pulverização aérea,
no qual boa parte da água é carregada pelo vento
ou evapora, em vez de recorrer ao sistema de gotejamento,
que despeja gotas diretamente na raiz nas plantas. Dentro
desse cenário apenas metade da água irrigada
chega às raízes das plantas.
O desperdício é a principal ameaça
ao abastecimento de água no Brasil - 40% da água
retirada no país é desperdiçada. A cada
segundo são retirados dos rios e do subsolo no Brasil
840 mil litros de água. O consumo médio diário
do brasileiro é 185 litros, sendo que, em torno de
150 litros são desperdiçados. As perdas de água
se concentram na produção de alimentos (irrigação)
com um desperdício que chega a 50%, porque a
maioria agricultores ainda utiliza a pulverização
aérea, na qual boa parte da água é carregada
pelo vento ou evapora, em vez de recorrer ao sistema de gotejamento,
que despeja gotas diretamente na raiz nas plantas. No uso
doméstico, as redes mal-conservadas são responsáveis
por perdas de 40% na distribuição de água.
De cada 100 litros que as companhias captam, somente 60, em
média, chegam à casa das pessoas.
Diário Popular - Como os Srs. avaliam a gestão
dos recursos hídricos na agricultura e pecuária,
na geração de energia, atividade industrial
e abastecimento domestico? Poderia abordar programas que visem
à redução da utilização
da água no Brasil e comparar com outros países
desenvolvidos e em desenvolvimento?
Borghetti e Garcez - O consumo anual de água no
mundo em 2000 foi de 3.811,4 km3, sendo 69% (2.652,1 km3)
destinado no setor agrícola, 21% (783,1 km3) no industrial
e apenas 10% (376,3 km3) no doméstico (consumo humano,
uso sanitário, serviços urbanos municipais).
Quanto à utilização de água
por setores, apenas as regiões Sul e Nordeste seguem
a tendência brasileira de gastar mais água na
agricultura, no setor doméstico e industrial, respectivamente,
sendo que a região Sul é a que mais gasta água
na agricultura (69%). Nas regiões Norte e Centro-Oeste,
o maior percentual de consumo de água é destinado
para o setor doméstico. A região sudeste gasta
mais água no setor industrial (37%). Os cinco estados
que mais consomem água no Brasil, são: São
Paulo e Rio Grande do Sul com cerca de 25% do total, seguidos
por Minas Gerais (10%), Rio de Janeiro (7%) e Bahia (5%) (Barth,
1987).
Faz-se necessária para a mudança deste cenário
um trabalho massivo de conscientização e educação
da importância do uso racional dos recursos hídricos,
demonstrando a toda coletividade os impactos ambientais de
curto, médio e longo prazo.
A fim de combater o desperdiço de água no
Brasil, o Governo (municipal, Estadual e Federal) deve lançar
campanhas permanentes para promover o uso racional da água
de abastecimento público nas cidades brasileiras, em
benefício da saúde pública, do saneamento
ambiental e da eficiência dos serviços, propiciando
a melhor produtividade dos ativos existentes com objetivos
específicos definindo e implementando conjunto de ações
e instrumentos tecnológicos, normativos, econômicos
e institucionais, concorrentes para uma efetiva economia dos
volumes de água demandados para consumo nas diferentes
setores (Indústria, Agricultura e pecuária,
abastecimento domestico, entre outros usos.
Diário Popular - Qual a realidade em relação
à disponibilidade hídrica mundial e qual o risco
de escassez?
Borghetti e Garcez - O risco de escassez dos recursos hídricos
é latente. O aumento da população mundial
e o desenvolvimento acelerado da Ásia e da África
estão esgotando as reservas de água do planeta.
Cerca de 1,4 bilhão de pessoas vivem hoje em áreas
que dependem de bacias hidrográficas que estão
secando e outro bilhão já sofrem com falta de
água potável, o que diminui a expectativa de
vida e causa problemas graves de desenvolvimento. Hoje, 20%
da população mundial sofrem com a falta de água
e este percentual deve chegar a 30% em 2025, segundo as Nações
Unidas. As estatísticas também dão conta
de que 2,6 bilhões de pessoas no planeta não
têm acesso a saneamento básico. Diante disso,
a escassez de água já é um problema para
a humanidade. Atualmente, a água disponível
por pessoa representa de 15% a 30% do que ela era nos anos
1950.
A água é um recurso renovável, pois
devido à atuação da energia solar sobre
a terra, ela evapora dos oceanos e se redistribui ao redor
do planeta, porém, a água é um recurso
finito a quantidade de água que existe hoje
é a mesma de quando a Terra foi formada.
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